PROJETOS PARA A SUSTENTABILIDADE DA PESCA ARTESANAL EM MARICÁ, RJ

PROJETOS PARA A SUSTENTABILIDADE DA PESCA ARTESANAL EM MARICÁ, RJ

Sérgio Mattos-Fonseca

D.Sc. Micro meteorologia de Ecossistemas; M.Sc. Ciência Ambiental

Red Iberoamericana en Gestión y Certificación de Playas – PROPLAYAS

Diretor da Escola de Pesca CVT São Gonçalo/ FAETEC[1]

Professor de Gestão Ambiental e Pesquisador Socioeconomia Ambiental

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 Introdução

O cultivo de animais e plantas marinhas para nutrição humana é uma prática secular na China e no Japão. A escassez cada vez maior de alimentos no mundo conduziu a um maior desenvolvimento da aqüicultura em países desenvolvidos e naqueles ditos emergentes, bem como a pesquisas buscando a introdução de técnicas mais eficazes, visando o aumento da produtividade.

O cultivo de espécies marinhas é, em princípio, mais eficiente que a pesca tradicional, tanto de peixes quanto de invertebrados, como ostras, mexilhões e caranguejos. Estudos econômicos de projetos de aqüicultura no estado do Rio de Janeiro são incipientes, começando em 1993 com o projeto Mexilhão Rio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, juntamente com a comunidade de coletores de mexilhão em Jurujuba (Niterói, RJ), o IED-BIG do Instituto Ecodesenvolvimento na baía da Ilha Grande e o projeto CULTIMAR (1994), da ONG APREC Ecossistemas Costeiros, também um projeto de extensão universitária da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e o primeiro a obter licenciamento ambiental pela antiga FEEMA (hoje INEA 0 Instituto Estadual do Ambiente) e licença da Marinha (CPRJ Capitania de Portos do Rio de Janeiro), para instalação de estruturas flutuantes no canto sul em Itaipu, Niterói, RJ. Os projetos de aqüicultura são considerados como de risco de investimento muito alto, devido a incipiente tecnologia e ao controle da mortalidade e enfermidades estarem longe de se conseguir.

Cabe ressaltar o crescente êxodo de comunidades, outrora engajadas diretamente em atividades extrativas marinhas, para outras, como a construção civil e serviços de utilidades diversas. Em países emergentes, a importância econômico-social da aqüicultura resulta na possibilidade de produzir alimentos mais baratos e dar trabalho e ingresso a essas comunidades. Para que a aqüicultura cumpra com suas finalidades sociais, desde os projetos mais elementares a nível familiar, até aos projetos comerciais mais elaborados, deve produzir utilidades, além dos meios de subsistência. Neste contexto torna-se fundamental que as atividades de extensão levem o conhecimento das Universidades e das Escolas Técnicas para as comunidades ligadas a pesca artesanal. Aquela figura solitária do pescador e sua canoa de voga, nestes tempos de sustentabilidade, devem incorporar os elementos da nova tecnologia da pesca e da aquicultura familiar como forma de subsistência de sua cultura e também como alternativa de sustento de sua família.

A presente avaliação visa disponibilizar condições objetivas aos núcleos familiares de pescadores artesanais para geração de renda. Além do sustento, possibilitar o resgate do protagonismo dessas comunidades na orientação para o manejo das regiões costeiras, visando a utilização racional do meio e evitando-se a degradação dos ambientes naturais.

 

APA da Restinga de Maricá

A Área de Proteção Ambiental em Maricá é um conjunto de ambientes que se inter-relacionam e que contêm componentes únicos, formando uma paisagem de imensa beleza. Está situada no litoral entre o mar e o Sistema Lagunar de Marica. Esse sistema está integralmente contido no município de Maricá e sua bacia drenante inclui as encostas das serras de Jaconé e do Mato Grosso, que atingem 800 m de altitude e serras mais baixas, como a da Cachoeira e a do Macaco.

Pode-se dizer que a APA abrange a Ilha Cardosa, parte da Restinga de Maricá, incluindo a Ponta do Fundão e a Enseada de São Bento. O clima da região é quente e úmido, e a vegetação predominante é de Mata Atlântica, mas com uma flora característica e bastante específica na restinga, constituída de vegetação costeira litorânea.

Algumas obras de engenharia alteraram a fisionomia do sistema original, assim como os padrões de troca de águas e a distribuição da flora e da fauna aquática. O sistema passou, então, a ser denominado como se fosse formado apenas por quatro lagunas interligadas: a de Marica, a da Barra, e do Padre e a de Guarapina. Esse sistema é abastecido pelos numerosos rios das serras de Inoã, Macacos, Cassorotiba, Caxito, Silvado, Caju e Jaconé. Esses rios desembocam nas lagoas por meio de brejos, que apesar de seu aspecto insalubre, tem, na realidade, importante função biológica.

São locais riquíssimos em nutrientes que alimentam as cadeias alimentares das lagoas. Além disso, são locais de desova e abrigo para uma fauna variada. Sem falar que desempenham outro papel fundamental, pois funcionam como verdadeiros filtros de sedimentos, contribuindo para melhoria da qualidade das águas das lagoas. No passado, o volume de água das chuvas tinha um papel decisivo na abertura da “barra de emergência”, na Lagoa da Barra. A Lagoa de Marica, quando estava cheia possuía 46,2 km2 e ficava 1,2m acima do nível do mar. A abertura da barra se dava naturalmente, às vezes ajudada pelos pescadores. E durante esse tempo, entravam na lagoa os peixes para a desova, camarões e uma infinidade de larvas que aí se alimentavam e cresciam até se transformarem em animais adultos que em poucos meses podiam ser pescados.

O sistema de Maricá produzia, então, 3.416 toneladas de pescado/ano. Depois da abertura do canal de Ponta Negra, pelos técnicos, em 1951, a circulação das águas nas lagoas de Maricá passou do sistema de enchentes para o sistema de marés. Os brejos e as áreas marginais inundáveis passaram a ficar permanentemente secos, ocasionando a perda de 6 km2 de área de criadouros naturais, além da redução do tamanho das lagoas e, logicamente, da brutal redução do potencial pesqueiro, que já começou a decair em 1955. É fácil concluir que a preservação da cobertura vegetal das restingas, os brejos e as matas que ainda existem, é de vital importância, pois desempenham um papel muito importante no processo de recuperação das lagoas e berçário de espécies.

 

Pesca artesanal em Zacarias

Em 2011 foram monitorados pela FIPERJ (Fundação Instituto da Pesca do Estado do Rio de Janeiro) 11.895 desembarques, e os resultados do Monitoramento da Pesca no Estado do Rio de Janeiro mostram que o município de Angra dos Reis se apresentou como o maior porto de desembarque de pescado fluminense, seguido de Niterói, Cabo Frio e São Gonçalo. Esses portos são utilizados por embarcações de pequena a grande escala, que possuem características variadas de tamanho, tonelagem de arqueação bruta e potência de motor. O município de São João da Barra, por sua vez, contrasta com os demais por suas embarcações serem apenas de pequena escala, refletindo na produção anual comparativa aos outros municípios monitorados. Já Maricá também com embarcações de pequena escala sequer aparece nas estatísticas.

 

 

 

Figura 1 - Produção pesqueira monitorada por município em 2011 (em toneladas)

http://www.fiperj.rj.gov.br/fiperj_imagens/arquivos/revistarelatorios2011.pdf

 

No último anuário estatístico da pesca e aquicultura publicado pelo MPA, o Estado do Rio de Janeiro produziu 54 mil toneladas de pescado proveniente da pesca extrativa marinha, alvo do atual monitoramento da FIPERJ. No último quadrimestre de 2010, quando o projeto começou a ser executado, a produção levantada foi de 32 mil toneladas de pescado, ou seja, 59% do volume total estadual divulgado para o ano anterior. A produção anual de 2011 monitorada foi de 79 mil toneladas de pescado, representando um aumento de 46% em relação ao ano de 2010. Os bons números conseguidos com a implantação de um sistema de coleta de informações nos cinco municípios monitorados demonstram a importância da continuidade e ampliação da abrangência do projeto, colocando a produção fluminense entre as principais no cenário nacional. (Relatório 2011 FIPERJ http://www.fiperj.rj.gov.br/fiperj_imagens/arquivos/revistarelatorios2011.pdf ). Igualmente, Maricá não consta dos levantamentos da estatística pesqueira federal, sendo que Zacarias e a área da lagoa de Maricá, na contramão da atividade pesqueira, vem apresentando mortandades de peixes cíclicas em face a qualidade de suas águas, conforme abaixo:

 

 

 

Figura 2 – Fotos na área de Zacarias no dia mundial do meio ambiente (05/06/2015)

 

Comprova assim a afirmação de que hoje em dia nenhum pescador de Zacarias consegue retirar o seu sustento da lagoa.

 

 

 

Conceitos em conflito

Embora toda situação envolvendo grupos sociais minoritários, ecossistemas e espécies em extinção em clima de competição e perigo possa nos excitar emocionalmente, advertem os ecólogos que a maneira efetiva de preservar e utilizar os recursos naturais de uma forma sustentável é através da conservação do sistema ecológico inteiro e dos processos ecológicos de larga escala.

Contrapondo-se o descaso das autoridades governamentais e de parte da comunidade com a crescente valoração dos atributos paisagísticos e das funções dos ecossistemas por parcela da população, resta uma interrogação, seguida por algumas hipóteses: qual o valor da compensação ambiental devido a uma intervenção antrópica de grande impacto ? Seria de melhor alvitre e estética aterrá-la, asfaltando a restinga, hipótese nula ao seu valor de existência, transformando-a em mais um loteamento na região, Barra de Tijuca maricaense ?

A alternativa sensata apresentada pelo empreendimento é sua re - naturalização, estabilizando e delimitando as suas áreas perilagunares e costeiras através da ocupação pelo empreendimento das áreas degradadas e zonas de ocupação permitidas pela legislação. A preservação da Mata Atlântica e restinga associada através da implantação de uma Reserva Privada do Patrimônio do Natural e um Centro de Pesquisas associado, foi elogiada por técnicos do INEA em recente reunião da CECA (Comissão Estadual de Controle Ambiental), que aprovou a LP (Licença Prévia) para o empreendimento.  Somados a esses, projetos de recuperação da pesca artesanal em Zacarias complementam um empreendimento como poucos no Brasil, que propõe uma ocupação sustentável e que possibilita a conservação da restinga de Maricá. O cenário futuro na ausência do projeto aponta para uma ocupação desordenada já em andamento na região, provocando erosão, depósito de carcaças de veículos e desova de cadáveres, além da emissão dos estoques de CO2 locais pelo desmatamento de remanescentes de Mata Atlântica e restinga associada.

 

Em resumo

A restinga de Maricá, uma das últimas que resistem no Estado do Rio de Janeiro, ainda guarda espécies raras de fauna e flora, mas há anos sofre a degradação promovida pelo desmatamento, à extração clandestina de areia e a favelização. O debate sobre as questões sócio-ambientais que tratam das Unidades de Conservação, vem sendo travado com freqüência na última década no Brasil. Não são poucos, nem recentes, os conflitos que envolvem UCs, comunidades tradicionais, agentes econômicos e governo. Especialmente no Rio de Janeiro, diversos noticiários mostraram a entrada de investimentos de grupos estrangeiros nos setores turísticos e imobiliários em UCs situadas na área costeira.

Na APA de Maricá a situação é agravada pela presença da comunidade pesqueira de Zacarias, presente na localidade desde o século XVIII, porém, com a degradação avançada da lagoa e o êxodo dos pescadores da comunidade, os remanescentes já não mais conseguem seu sustento da pesca local. O projeto de implantação de um complexo turístico habitacional poderá ser a última alternativa para preservar grande parte da APA, nestes tempos de crise da falta de recursos governamentais, mantendo uma grande área de vegetação de restinga preservada no município. Este ecossistema abriga flora e fauna significativa (inclusive aves migratórias e espécies endêmicas e ameaçadas de extinção), além de possuir sítios arqueológicos a serem estudados, consistindo num patrimônio ambiental, cultural, arqueológico e científico.

O contexto regional é marcado pelo dinamismo econômico promovido pela instalação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ no município de Itaboraí, ao norte de Maricá. Todo o Leste Metropolitano está envolvido com este empreendimento da Petrobrás que trará profundas transformações na economia, sobretudo no setor industrial, e no fluxo populacional nos próximos vinte anos. Soma-se a esse quadro desenvolvimentista a implantação de um porto na região de Jaconé, limítrofe ao município de Saquarema, além de um duto para despejo dos dejetos industriais do COMPERJ na região costeira de Itaipuaçu. A nova inserção de Maricá no estado ocorre pela sua posição estratégica, entre o grande empreendimento e o litoral, adjacente ao novo porto. O projeto Fazenda São Bento da Lagoa em Maricá faz parte deste novo quadro econômico regional.

É imprescindível, portanto, manter-se o fluxo genético de grande biodiversidade presente na área com vistas a garantir a perpetuidade dos recursos naturais, o que somente será alcançado preservando os locais que formam o mosaico biótico da restinga. Neste contexto a proposta de criação de uma Reserva Privada do Patrimônio Natural – RPPN – pela IDB Brasil empresa proprietária de uma área de cerca de oito milhões de metros quadrados, a Fazenda São Bento da Lagoa, e o projeto CULTIMAR™ de uma ONG com atuação na área, contribui com seus subprojetos ligados a recuperação da pesca artesanal e a implantação da aquicultura. Permite a recuperação dos estoques pesqueiros naturais, com atividades ligadas ao ecoturismo com o lema de conhecer para preservar. Diversos outros projetos propostos no Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento visam contribuir para a melhoria da qualidade de vida e a preservação da restinga, ligados a estudos de mudanças climáticas, recuperação de áreas degradadas, créditos de carbono, dentre muitas atividades de projeto com desdobramento sócio ecológico. Todos esses esforços estão inseridos num contexto de compensações ambientais pelas intervenções previstas pelo empreendimento.

Não se trata de altruísmo empresarial, mas uma visão de alcance dos empreendedores, maximizando o lucro ao reduzir a dimensão do empreendimento, ocupando menos de 7% da área, mas acenando aos investidores com uma maior qualidade de vida, o que valoriza o projeto. Assim sendo, ficam os ambientalistas, a Academia e os pescadores, além da comunidade local e o governo, responsáveis pela implantação in situ do empreendimento Fazenda São Bento da Lagoa conforme submetido e aprovado pelo INEA. Um bom exemplo de desenvolvimento sustentável.

 


[1] Coordenador do Laboratório de Aquicultura para o curso técnico de aquicultura familiar, projeto aprovado pelo Edital FAPERJ no 18/2013: “APOIO A INSTITUIÇÃO ESTADUAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA – FAETEC – 2013”.


Prof. Sérgio de Mattos Fonseca, D.Sc.

CVT da Pesca, Aquicultura, Meio Ambiente / FAETEC
Gestor de Unidade Educacional CVT São Gonçalo, RJ
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